RIO - No meio de um lugar que carrega o estigma da violência e onde faltam praças e projetos sociais, uma pequena sala de um posto do programa Saúde da Família virou refúgio atraente para crianças e adolescentes. É lá, no PSF Portus, Quitanda e Tom Jobim, localizado na Favela da Quitanda, em Costa Barros, que treina a equipe de jiu-jítsu comandada pelo mestre Osmar Laurindo da Silva. Desde que mestre Osmar e seus instrutores - Cristiano Viana da Silva, Henrique Ramos Cezário e Elias Silva Quirino, todos agentes de saúde - passaram a dar aulas gratuitas do esporte na unidade, há pouco mais de um ano, a procura e o interesse pela arte marcial não param de aumentar na comunidade.
Projeto já tem 130 inscritos
A cada dia, chegam mais crianças querendo se inscrever. Já são mais de 130 - mestre Osmar já perdeu a conta -, se espremendo na sala reservada para as aulas dentro do posto. Com olhos atentos, meninos que há pouco tempo estavam aprendendo a andar, acompanham os ensinamentos dos professores, que se esforçam em passar mensagens de disciplina e respeito ao próximo. O sucesso do projeto aumentou no fim de 2010, quando 13 de 20 atletas do grupo que participaram do campeonato Oswaldo Fadda, em Niterói, ganharam medalhas. Foi a primeira vez que os pequenos lutadores participaram de um torneio, que contou com 35 equipes. O grupo de Costa Barros terminou em sétimo lugar na classificação geral.
Em fevereiro deste ano, mais vitórias: a equipe ficou em terceiro lugar na 1 etapa da Copa Rio Open de Jiu-Jítsu Olímpico, em Niterói, organizado pela Federação de Jiu-Jítsu Olímpico do Estado do Rio de Janeiro. A garotada levou para casa 24 medalhas de ouro, duas de prata e uma de bronze.
- Eles têm garra - elogia o mestre. - Eu vim de comunidade. O que passo para eles é o que eu vivi: a vontade de treinar, mesmo sem condições. Um mestre me deu uma chance. E estamos dando essa também.
O projeto ganhou força no início de 2010, quando o Viva Comunidade - um braço do Viva Rio - passou a administrar a unidade de saúde do município. Com verbas municipais repassadas à ONG, foram comprados tatames e 150 quimonos. Mestre Osmar, que dava aulas como voluntário, foi contratado para seguir adiante com o projeto. Agora, há aulas de jiu-jítsu todos os dias. O espaço já se tornou pequeno para tantas crianças e adolescentes, já que muitos não se contentam em ir somente nos horários de suas turmas. É o caso de Suelen da Silva Couto, de 13 anos, medalhista de ouro.
- Curto ficar aqui, que é um lugar seguro. Se eu não vim é porque estou doente, porque aconteceu alguma coisa. Para onde eles forem (os professores), eu vou atrás. Pretendo virar mestre - diz Suelen, que tem como companheira na equipe Gabriela Ribeiro dos Santos, de 13 anos, que perdeu a visão esquerda em julho do ano passado após ser atingida por estilhaços de um tiro.
Gabriela é um dos casos de superação na equipe, que a recebeu após a adolescente ser ferida. O esporte deu motivação à jovem para seguir em frente: como Suelen, ela também já é uma atleta de ouro.
O grupo tem conseguido ultrapassar barreiras, como a econômica: para inscrever os atletas em competições, os funcionários do PSF chegam a fazer vaquinhas. Costa Barros possui o segundo pior IDH do Rio de Janeiro. Mas um outro obstáculo tem sido mais difícil de encarar: a violência. Na favela da Quitanda, os tiroteios são quase que diários. E o posto, muitas vezes, é usado como trincheira por policiais no combate a traficantes. É comum as aulas precisaram ser interrompidas por causa de confrontos, que deixam marcas nas paredes da unidade.
Dentro do posto, a luta continua para transformar o projeto em um caminho para a promoção de saúde na favela:
- O esporte ajudar a transformar o espaço de saúde, visto normalmente como espaço de doença - analisa Alexandre Modesto, coordenador de Saúde na área pela prefeitura.
Todos os inscritos são acompanhados por médicos do PSF e precisam apresentar bom rendimento escolar.
- Meu menino de 4 anos, quando começou a estudar, não tinha coordenação motora. Hoje ele já consegue fazer as letrinhas. E minha filha de 7 anos passou de conceito insuficiente na escola para bom, e depois para muito bom - conta, orgulhosa, a cabeleireira Andreia Dornella, mãe de Hebert e Evelen.
Antes de virar lutador, Missael dos Santos Teixeira, de 16 anos, passava o tempo fora da escola na rua, soltando pipa, ou em casa vendo filmes na TV. Agora, parte do dia do adolescente é dedicada à prática do esporte. Missael também já é medalhista de ouro:
- Pretendo seguir no jiu-jítsu. Gostei de participar de um campeonato. A adrenalina bate. É é legal ir a lugares diferentes, sair daqui.
Ideia é não priorizar força
Davi Rodrigues tem apenas 3 anos, mas já luta com o pai, o instrutor de academia Valmecio Camelo, no tatame do PSF. Ele é o caçulinha da equipe.
- No jiu-jítsu não tem tamanho - afirma o pai.
Mestre Osmar se preocupa em não ensinar golpes violentos e insiste com os alunos no discurso de respeito ao próximo.
- A gente sabe que não pode levar o jiu-jítsu para a rua - ensina Missael.
As técnicas repassadas priorizam a observação e a inteligência. Não à toa, os medalhistas de Costa Barros costumam ganhar dos adversários usando a técnica chamada enforcamento, que não prioriza a força. Mestre Osmar encontrou no método a forma de vencer adversários com melhores condições físicas e de treinamento:
- O símbolo da equipe é a cobra enrolada no pitbull - revela o mestre.
fonte: jornal O Globo
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